CONVIVÊNCIA
Paulo Cesar Scanavez (São Carlos/SP)
Não há vivências. Existem convivências. Necessitamos não só do próximo como de toda humanidade, pois só assim temos como desenvolver nossa condição humana. O Professor Herculano Pires apropriadamente lembra que antes do ser humano desejar a condição de espírito superior, faz-se necessário realizar-se como ser humano. Essa condição se implementa através da evolução que se concretiza pelo mérito, isto é, pelo esforço pessoal, perseverança, abnegação e devotamento. A maturidade espiritual não se atinge aos 18 anos de idade como previsto, dentre outras hipóteses, para se atingir a maioridade civil. Reclama muito mais do indivíduo: enfrentamento do dia a dia, desenvolvimento da capacidade de lidar com as frustrações, promover o bem pelo prazer de fazê-lo, reconstruir-se a cada momento pelo pensamento (raiz da estagnação ou da evolução), e com isso aprimorar-se na desafiadora arte de conviver.
Podemos construir uma estrada de difícil trânsito (esburacada, desalinhada, sem acostamento, sem sinalização etc) que acaba se constituindo em insuperável obstáculo para melhor conviver. O grande prejudicado será esse péssimo ou negligente construtor.
Convivência salutar, afetiva, assentada na transparência, lealdade, sinceridade, desdobra-se como uma rodovia larga, comprida, sinalizada, pavimentada, sem surpresas, e com isso demonstra alteridade que é a aceitação do outro como outro e não como um forasteiro ou estranho. A escolha é de cada um. Conviver é uma grande arte e auxilia o espírito em sua caminhada na busca de sua perfeição. A cada passo devemos adicionar as pitadas de valores espirituais.
O crescimento do ser humano passa necessariamente pelo exercício do bem que constrói a verdadeira cidadania. A dignidade da criatura humana, enfatizada no inciso III do art. 1º da Constituição Federal, desenvolve-se à medida que a criatura concorre para as mudanças positivas em qualquer setor de sua atuação.
A doutrina espírita enxerga evolução como resultado do esforço, do suor, da busca incessante do bem. Não é doutrina para acomodados. Dirige-se a todos para acordá-los de seu sono letárgico. A proposta é de despertamento de consciência para podermos retirar a trave de nossos olhos e melhor enxergarmos os reais objetivos de nossa reencarnação. Convivemos em coletividade e quando um mal atinge alguém, de algum modo, direta ou indiretamente, somos atingidos pelos efeitos desse mal, daí a necessidade de desenvolvermos a preocupação de cooperar pelo bem de todos.
O filósofo Mário Sérgio Cortella, "Qual é a Tua Obra?", Vozes, 4ª ed., 2007, págs. 121/122, apresenta a interessante Fábula da Coletividade que bem se ajusta ao tema central deste artigo:
“Uma senhora vivia numa pequena chácara e tinha alguns animais: uma vaca, um porco, uma galinha. E lá também guardava milho na tulha. E havia um rato que morava lá. Esse rato vivia sossegado até o dia em que a mulher resolveu colocar uma ratoeira dentro da tulha. O rato saiu desesperado. Correu até a vaca”:
– Vaca, nós estamos com um problema sério; a mulher colocou uma ratoeira lá.
A vaca deu risada:
– Como nós? Você já viu ratoeira pegar vaca ? Eu não tenho nada com isso. Isso é problema seu.
E saiu ruminando. O rato correu até o porco:
– Porco, nós estamos com uma encrenca danada, a mulher colocou uma ratoeira lá.
– O que é isso? Eu estou aqui bem longe, isso não vai me pegar, não. Ratoeira não pega porco, olha o meu tamanho e olha o seu. O problema é seu.
O rato, atônito, correu para a galinha:
– Galinha, nós estamos com um problema muito sério.
– Pelo amor de Deus, eu já estou de problema por aqui e você ainda me vem torturar? O máximo que eu posso fazer é rezar por você.
– Mas tem uma ratoeira lá.
– Mas isso não é comigo, é contigo.
O rato foi embora desanimado. À noite todos dormiam e, de repente, splaft. A ratoeira desarmou. Todos correram para olhar, inclusive o rato; era uma cascavel que tinha sido pega na ratoeira. A mulher levantou-se, foi tirar a cascavel da ratoeira e tomou uma picada. Foi levada ao hospital à beira da morte. Ficou 20 dias de recuperação e, na volta, precisava estabelecer a saúde na chácara. Qual a melhor comida para reforçar a saúde? Canja. Lá se foi a galinha. Depois de um mês, resolveu dar um almoço com feijão tropeiro para os parentes que a tinham ajudado e lá se foi o porco. A questão é que o tratamento tinha ficado caro e aí tiveram de vender a vaca para o açougue...
Cuidado: a ratoeira que aparece ali num canto pode não te pegar num primeiro momento, mas os efeitos dela são fortíssimos.”
Conviver bem é a chave do progresso espiritual.
(Mentes do Amanhã - Ano II - Edição VI - Novembro/2009)